Estudos em Inglaterra

 

Desde o dia em que o meu pai me levou à casa da máquina do paquete Vera Cruz, tinha eu 5 anos de idade, fiquei apaixonado por navios e por eletrotecnia. Os anos foram passando e tendo concluído o curso de Oficial Engenheiro Maquinista da Marinha Mercante na Escola Náutica Infante Dom Henrique, decidi embarcar, estando pelo mar pouco tempo, pois a ideia de projetar navios, continuava muito viva, quase uma obsessão.

 

Já casado decidimos que fosse estudar para Inglaterra, tendo ingressado na conceituadíssima Universidade de Newcastle upon Tyne. À época Newcastle upon Tyne era um “ninho” da tecnologia marítima inglesa, com bastantes estaleiros como os “Swan Hunters” construíam-se por ali, navios de guerra para todas as marinhas do mundo, bem assim como muito navio especializado para a indústria do petróleo, que estava no seu auge. Havia por aquelas paragens também alguns laboratórios de tecnologia marítima como a BMT (British Maritime Technology), e é claro, existiam fantásticos professores, homens de grande formação académica, mas também com uma vasta experiência industrial. De resto, só podia ser professor quem acumulasse a formação académica ao mais alto nível e uma experiência profissional relevante aos standards ingleses.

Visita de estudo à Escócia e LR5

 

Era normal a Lloyd’s Register of Shipping, patrocinar a presença de professores, e era o caso do nosso professor de Offshore Vehicle Design o Professor Peter Betess, um homem apaixonado pelo seu trabalho e pelas coisas do mar.

 

 
Figura 1 – O LR5 a ser colocado a nado a partir do navio mãe. JOC David Fliesen, U.S. Navy – http://www.navy.mil

 
Figura 2 – Professor Peter Beetess. Fonte: http://bettess.co.uk/pete_web/pete_prof/biog/biog.html

 

Chegados às 8h da manhã a uma das suas aulas, fomos por ele informados que iriamos partir para várias visitas de estudo pelos estaleiros Escoceses às 10h, uma viagem que demorou uma semana, naquele tempo estávamos todos lá para estudar e muito, não houve sequer opção de dizer não. O condutor da nossa Ford Transit de 12 lugares, era o próprio professor Beetess, e eis que somos levados para Nigg Bay na Escócia, sendo um dos pontos altos da visita de estudo técnica ao LR5 baseado em Renfrew Glasgow, na base de Salvamento de Submarinos da Royal Navy.

 

 
Figura 3 – O autor em 1989, junto do LR5, na base de Renfrew – Glasgow. Fonte: Foto do autor

 
Figura 4 – Vista esquerda frente e oculo, direita cima LR5 visto de cima, direita baixo motor propulsor e leme, base da RN em Renfrew – Glasgow 1989. Fonte: Fotos do autor

 
Figura 5 – Vista do Interior do LR5. Fonte: https://www.naval-technology.com

 
Figura 6 – O LR5 a ser colocado a nado. Onde se pode ver a “ventosa” de acoplamento pela parte inferior. Fonte: https://www.naval-technology.com

Principais características do LR5

 
  • Comprimento: 9.6 m
  • Boca: 3.2 m
  • Endurance: 10 horas
  • Capacidade: 1,200 kg (16 pessoas)
  • Altura: 2.7 m
  • Profundidade de teste: 650 m

 

A tripulação do submersível LR5 é de 3 homens, um piloto, um co-piloto e o operador do sistema. O veículo está equipado com um conjunto de ferramentas, incluindo um manipulador Slingsby, uma garra ejetável, tesouras para cortar cabos e um disco de corte de 305 mm.

 

O sistema de comunicações do veículo é composto por telefones subaquáticos de 10kHz e 27kHz, um sinal sonoro acústico operando a 27,5kHz e um conjunto de voz e sinalizador Modelo 2056, que opera nas seguintes frequências 10kHz, 27kHz e 45kHz.

 

O LR5 é capaz de operar em mar com vagas de 5m de altura. Está equipado com dois motores elétricos de 6kW que permitem uma velocidade máxima de 2,5 nós, o que limita as operações de resgate a uma corrente máxima de 1,5 nós no fundo do mar e a profundidade operacional máxima de 500 m.

Serviço de salvamento de submarinos

 

O Reino Unido mantém ainda hoje o seu serviço de salvamento de submarinos, o qual mantém o registo de navios que podem atuar como navios mãe do submersível LR5, bem como de toda a sua tripulação de 11 elementos e o respetivo ROV “Scorpio”. O serviço encontra-se operacional 24 horas por dia, a nível mundial e com uma prontidão de 12 horas.

 

O navio-mãe é notificado e chamado a um porto para embarcar a equipa de resgate composta por 11 homens, mergulhadores especializados e oficiais técnicos, juntamente com o submersível de resgate LR5 e seu respetivo equipamento.

 

O submersível pode também ser transportado por uma aeronave militar ou civil, por exemplo, C-5 Galaxy ou Antonov e depois transferido para o porto mais próximo do submarino sinistrado.

Acoplamento ao submarino sinistrado

 

Os mergulhadores de resgate abordam o submarino sinistrado procurando a escotilha de escape daquele para transferir os equipamentos de suporte de vida e de emergência preparando a escotilha de fuga para o acoplamento do LR5.

 

Um veículo de operação remota (ROV) Scorpion, é usado para marcar o local com sinais de navegação. O ROV está equipado com sonar, sistema de medição de profundidade, transponders de rastreamento e quatro câmaras de vídeo. Tem também um braço robótico instalado na frente do ROV que pode ser utilizado para limpar a escotilha de fuga do submarino. O ROV tem também um telefone subaquático e um monitor de radiação.

Acoplamento do LR5 ao submarino sinistrado

 

O veículo de operação remota ROV “Scorpio” e o submersível LR5 estão equipados com um equipamento de navegação e rastreamento integrado, que integra os dados de navegação de superfície e submarinos. O coordenador de resgate no navio-mãe utiliza os dados do sistema de navegação e rastreamento e as imagens dos sonares e câmaras para fornecer imagens detalhadas em tempo real do submarino em perigo e dos respetivos sistemas de resgate.

 

O LR5 faz uma vedação estanque em torno da escotilha de escape do submarino em perigo, funcionando como uma ventosa de acoplamento. Esta operação, reveste-se de grande dificuldade dado obrigar a uma centragem perfeita da ventosa com a escotilha de fuga do submarino. O selo estanque, permite a transferência de pessoal do submarino para o LR5 sem o submeter à alta pressão externa da coluna de água. Técnicos e oficiais médicos podem também ser transferidos para o submarino afetado, se necessário, e os sobreviventes do submarino transferidos para o submersível LR5.

 

O LR5 pode transportar de cada vez até 15 sobreviventes do submarino em perigo. O LR5 pode realizar até oito viagens ao submarino em perigo resgatando assim 120 sobreviventes, sendo esta limitação imposta pela carga das suas baterias.

 

O acoplamento com o submarino em perigo pode ser realizado com o submarino adornado com um ângulo, máximo de 15°, sendo que para tal é necessário utilizar uma “ventosa” de acoplamento especial conforme a que se mostra na figura abaixo.

 

 
Figura 7 – Foto da “ventosa” de acoplamento ao submarino sinistrado. Fonte: Foto do autor.

No mar todos os homens são irmãos

 

A irmandade marítima, é algo que só um homem do mar pode conceber. É algo que tem a haver com o respeito pelo mar, de todos quantos andam ao mar. Nas aflições, não existem inimigos, nem raças, simplesmente irmãos de mar. Um excelente exemplo aconteceu em 5 de agosto de 2005, quando o submersível Russo de salvamento de submarinos AS-28, em treino ao largo da costa da Península de Kamchatka, na Baía de Berezovaya, na Baía de Berezovaya, 70 km a sudeste de Petropavlovsk-Kamchatskiy, Kamchatka Oblast, sob o comando do tenente Vyacheslav Milashevskiy, enredou-se na antena de um conjunto de hidrofones e redes de pesca. A antena, ancorada por poitas de 60 toneladas, enleou-se no hélice do submarino, tendo parado no fundo a uma profundidade de 190 m. Aquela profundidade era demasiado grande para a guarnição de 7 elementos abandonar o submersível.

 

A 6 de agosto, o presidente russo Vladimir Putin ordenou que o ministro da Defesa russo Sergei Ivanov voasse para Petropavlovsk-Kamchatsky para supervisionar a operação de resgate, que estava sob o comando do comandante da frota russa do Pacífico, almirante Viktor Fedorov.

 

A 7 de agosto, todos os sete marinheiros foram resgatados depois dos cabos que prendiam seu submarino terem sido cortados pelo (ROV) do LR5 “Scorpio 45”. O submarino emergiu no domingo às 16h26 hora local, tendo todos os sete tripulantes deixado o submersível em bom estado de saúde.

 

 
Figura 8 – Aspeto do AS-28 no mar de Bering. Fonte: Wikipedia

Especificações do SCORPIO 45

 
  • Comprimento: 2.75 m
  • Altura: 1.8 m
  • Largura: 1.8 m
  • Peso: 1.400 kg
  • Carga útil: até 100 kg (sem flutuabilidade adicional)
  • Profundidade máxima: 914 m (na água do mar)

 

*O AS-28 pertence à classe Priz e é um veículo de resgate submarino Marinha Russa, tendo entrado ao serviço em 1986. O AS-28 foi projetado pela Lazurit Design Bureau in Nizhny Novgorod e tem 13.5m de comprimento, 5.7m de altura e pode operar até aos 1000m de profundidade.

 
Figura 9 – Aspeto do SCORPIO, um parceiro do LR5. Fonte: Wikipedia.

A Marinha de Guerra Portuguesa e o LR5

 

Não fosse a Marinha Portuguesa feita de uma massa especial de homens do mar, não teria sido realizado tal treino.

 

A Marinha Portuguesa chegou a 28 de maio de 2001 à base naval de Clyde, em Faslane na Escócia, participando com o memorável submarino “Delfim”, nas comemorações dos 100 anos de Submarinos no Reino Unido em que estiveram presentes 15 outros submarinos de várias nacionalidades, mas também para realizar o acoplamento ao LR5 e participar nos treinos OST (Operational Sea Training). Foi certamente uma viagem cheia de compromissos onde honrar a Pátria era como sempre um objetivo de todos presentes, tendo entre outras cerimónias a visita de sua Altesa Real a Princesa Ana do Reino Unido.

 

 
Figura 10 – Sua Altesa Real a Princesa Ana a dialogar com o Imediato do “Delfim” Coutinho de Lucena. Fonte: Os Submarinos na Marinha Portuguesa 4ª Edição, Revista de Marinha.

O acoplamento do Delfim ao LR5

 

Ao fim de 33 anos de serviço, o “Delfim”, preparou-se para mais um desafio, o acoplamento do submersível de resgate LR5, a realizar em Raasay no mar da Escócia. O “Delfim”, já desde 1983, que dispunha de uma escotilha de embarque a ré (bem como os restantes submarinos da classe Albacora), que tinha sido montada pelo Arsenal de Alfeite, inicialmente projetada para o veiculo de resgate americano o DRSV, por ser o único existente. No entanto a escotilha possibilitava o acoplamento do LR5. Finalmente passados 18 anos, fez-se uso da escotilha de salvamento, através de um relacionamento privilegiado entre a Marinha Portuguesa e a Royal Navy face a uma colaboração que decorre desde 1991 com participação em exercícios de treino de navios de guerra em guerra antissubmarina OST, sendo a busca e salvamento de submarinos sinistrados uma preocupação da Marinha Portuguesa, foi decidido efetuar um exercício de acoplamento com a finalidade de certificar as escotilhas dos submarinos da classe “Albacora” . O planeamento da operação teve início anos antes, com base em reuniões tidas com os serviços Ingleses “UK Rescuing Service” acima mencionado e o “Submarine Escape and Rescue Working Group”, culminando a 11 de junho com o acoplamento ao “Delfim” do submersível de resgate LR5.

 

O navio mãe do LR5 era o “Belos” da Marinha Sueca, abordo do “Delfim” a manobra de acoplamento foi atentamente seguida em grande silêncio e elevada expectativa.

 

Às 12:15 h daquele dia, ocorreu mais um momento singular para a Marinha Portuguesa, com a abertura da escotilha de salvamento em imersão, a uma profundidade de 146 metros, tendo-se estabelecido o contacto direto entre o “Delfim” e o LR5, transitando elementos das duas tripulações entre os dois submersíveis acoplados. Após a abertura da escotilha de salvamento a 146 m de profundidade, a passagem de 17 elementos por aquela escotilha, 3 viagens do LR5 e dois acoplamentos, contribuiu para a confiança de todos os submarinistas da Marinha Portuguesa.

 

 
Figura 12 – Tripulantes do “Delfim” a bordo do LR5, pronta para o transbordo; 1ºMAR CM Gonçalves, 1º Mar E Gago, CTEN Gouveia e Melo e 1ºSAR E Calisto-Junho de 2001.
 
 

Passaram pela escotilha de salvamento os seguintes elementos da tripulação do “Delfim”:

 
  • 1ª Equipa – CTEN Gouveia e Melo, TEM M Ribeiro 1º SAR E Calisto, 1ºMAR CM Gonçalves e 1ºMAR E Gago;
  • 2ª Equipa – 1ºTEN EN-AEL Sousa, 1TEN M Teles, 1SAR HE Azevedo, 1º SAR T Santos, e 1ºMAR CM Rolo;
  • 3ª Equipa – 1ºTEN M Lucena, 2ºTEN EN-AEL Pica, 1ºSARMQ Gomes, 1ºSAR MQ Cerqueira, CAB R Fernandes e 1ºMAR CM Santos.

 

O submersível LR5 encontra-se na Austrália desde 2009, para apoio à Marinha Real Australiana. O atual substituto do LR5 é o Sistema de Resgate Submarino da NATO (NSRS) resultante de um projeto tri-nacional para desenvolver um sistema internacional de resgate submarino.

 

O sistema fornece uma capacidade de resgate idêntica ao LR5 (12 homens de cada vez), e encontra-se ao serviço das nações parceiras nomeadamente, França, Noruega e Reino Unido, mas também para os restantes países membros da NATO e nações aliadas bem como a qualquer submarino equipado com uma superfície adequada em torno de suas escotilhas.

 

 
Figura 13 – Vista do NSRS (2011), o substituto do LR5. Fonte: Wikipedia