Recursos energéticos ecológicos

O transporte marítimo tem sofrido o efeito de uma “grande onda verde” de regulamentações nos últimos anos. Legislações centradas nas emissões de CO2 e na necessidade de monitorizar os consumos de combustível têm sido ultimamente uma preocupação acrescida para os armadores.

Em semelhança ao que tem sido constatado ao nível industrial, as empresas do sector naval têm vindo a procurar alternativas mais ecológicas de tipos de combustível que não prejudiquem o meio ambiente, como o caso do GPL (gás liquefeito de petróleo), o gás natural liquefeito (GNL), o etanol ou o hidrogénio. Algumas das possíveis causas dessa procura estão relacionadas ao contínuo aumento nos custos dos combustíveis, os custos associados à poluição e tratamento de poluentes emitidos por esses tipos de combustível (atmosfera e tratamento de óleos), as regulamentações aplicadas a emissões em viagem e em porto, bem como os custos associados. à manutenção de equipamentos. A crescente demanda global de energia aumentou o custo dos combustíveis fósseis e o volume de gases de efeito estufa prejudiciais ao meio ambiente. Para reduzir a poluição e minimizar a dependência de combustíveis fósseis de modo a produzir energia, precisam de ser exploradas alternativas mais limpas.

A solução e o processo de obtenção de hidrogénio com fontes renováveis de energia

Em 2010, o investimento global total em energia limpa triplicou nos últimos 5 anos [1], indicando uma busca intensiva por fontes de energia novas, limpas e renováveis. Relativamente ao hidrogénio como fonte de combustível, ele pode ser usado através de células de combustível ou produzido diretamente, comprimido e armazenado para ser usado. O hidrogénio de alta qualidade (≈100% de hidrogênio) pode ser produzido pela conversão eletroquímica da água em hidrogénio e oxigênio através de um processo conhecido como eletrólise da água (EQ.1).

Nas últimas décadas, o preço cada vez mais elevado da eletricidade prejudicou e / ou adiou a produção de hidrogénio eletrolítico. Esse facto estará prestes a mudar com o recente crescimento de capacitadores de energia baseados em fontes renováveis, como energia fotovoltaica ou turbinas eólicas. Nesse cenário, o hidrogénio eletrolítico poderá não só ser produzido a partir de uma fonte de energia renovável, funcionar como um transportador de energia, como um meio de armazenamento de energia, mas permitirá de igual modo superar a intermitência de recursos típicos de energia renovável. Na Figura 1 é indicado um possível esquema de como o hidrogénio poderá ser produzido e armazenado para posterior aplicação:

 

 

Figura 1- Produção de hidrogénio, compressão e armazenamento.

 

A água pode ser captada do mar e tratada / purificada para remover sais e iões (passando por um filtro de areia seguido deosmose e eletrodeonização). Recorrendo a uma turbina (usando a energia do vento) seria possível fornecer a eletricidade necessária para a eletrólise. O hidrogénio produzido precisará de ser em seguida comprimido a altas pressões (700 bar) de modo a reduzir seu volume real, sendo por fim armazenado em um tanque de base modular para ser usado como combustível. Os principais fatores de segurança num navio estão relacionados com o uso e armazenamento de hidrogénio. Uma alternativa seria recorrer a células de combustível PEM (Proton Exchange Membrane).

Trata-se de uma tecnologia maturada que tem sido usada com sucesso em aplicações marítimas e outras de alta energia. A operação requer hidrogénio puro e a temperatura de operação é reduzida. A conversão de energia com uma célula de combustível PEM, de hidrogénio para eletricidade, resultaria essencialmente em água como a única emissão e calor de baixa qualidade, com a baixa temperatura proporcionando, contudo, alta tolerância para a operação de recirculação. Os módulos atualmente têm capacidade de cerca de 120kW, sendo o tamanho físico diminuto, o que é positivo para aplicações em transporte, notavelmente para uso marítimo. As células de combustível de hidrogénio PEM também têm maior eficiência e melhor desempenho em cargas parciais que o verificado com geradores a diesel.

A utilização de células de combustível movidas a hidrogénio para propulsão de navios encontra-se ainda numa fase inicial de projeto ou de testes – com aplicações em navios de passageiros de menores dimensões, balsas ou embarcações de recreio. No entanto, devido ao potencial demonstrado, acredita-se que, num futuro próximo, será possível recorrer ao hidrogénio para utilização em grandes navios mercantes. Alguns países, como a Noruega, pretendem começar a usar hidrogénio, indo mais além do que a estratégia inicial imposta pela IMO sobre gases de efeito estufa. Ola Elvestuen, Ministro de Clima e Meio Ambiente da Noruega no evento de transporte da GCAS [2], disse que o país pretende alcançar emissões zero o mais rápido possível usando hidrogénio e transporte autónomo. Este é o caminho para a descarbonização.

 

Figura 2 – Comparação da eficiência dos geradores de célula de combustível e diesel.  Fonte: Maritime Application of Hydrogen Fuel Cell Demonstration Project at Young Brothers, Limited

Casos de Sucesso

Existem alguns casos de sucesso no uso de hidrogénio no transporte marítimo. Um caso em particular que atravessou recentemente o rio Tejo em Lisboa foi o catamarã Energy Oserver [3], um navio que opera unicamente a hidrogénio. Corresponde a uma velha embarcação de competição, equipada com painéis solares, geradores eólicos e tanques de combustível de hidrogénio. A produção de hidrogénio será feita através do processo de eletrólise (indução de energia) da água do mar.

 
 

Figure 3 – Imagem do Energy Observer (esquerda e centro) e Hydroville (à direita)

 

Da Bélgica vem outro caso de sucesso, o Hydroville [4]. Este navio é responsável pelo transporte de pessoas de Kruibeke para Antuérpia durante a hora de ponta para evitar engarrafamentos. Foi o primeiro navio de passageiros certificado com hidrogênio alimentado a um motor a diesel, apresentando a vantagem de não libertar CO2, partículas ou óxidos de enxofre a quando da queima. Recentemente, mencionou-se também uma parceria entre a DNV GL, a Scripps Institution of Oceanography, a firma de arquitetura naval Glosten e Sandia National Laboratories para avaliar a viabilidade técnica regulatória e económica de um navio de patrulha costeira a células de combustível a hidrogénio [5]. Além de não ter impacto na contaminação do ar ou da água (é impossível ter um derrame de hidrogênio na água, pois o hidrogénio volatiliza e escapa para o espaço) quase não produz ruído, por isso não perturba os ecossistemas marinhos.

Pelas razões acima mencionadas e testemunhando alguns protótipos e navios já testados, podemos supor que a aplicação de hidrogénio no sector marítimo, como uma alternativa aos combustíveis mais clássicos, será certamente uma tecnologia disruptiva podendo ter um impacto significativo e bem-sucedido na comercialização num futuro próximo.